sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

O dia em que tive uma básica lição de força de vontade.

Neste ano que passou ministrei aulas para alunos incríveis, realmente fiquei muito grato com meu ano, profissionalmente falando. Porém, no mês de setembro presenciei fatos que realmente me tornaram um professor melhor, e talvez um homem melhor.

Em um ano de carga horária elevada e de diferentes caminhos a serem percorridos fui conhecendo um pouco mais de meus alunos, alguns com instigantes e vitoriosas histórias, outros nem tanto, porém, como ser humano comum, tive curiosidade em adentrar em algumas delas.

Do alto de minha mania de “Consertar o mundo” ou talvez de “Controlá-lo”, conheci melhor a história de um aluno da Educação de Jovens e Adultos, que em suma é um público mais experiente e com experiências muito válidas, primordialmente a mim que leciono há poucos anos.

A história deste aluno começa a pouco mais de dez anos, em outro município, lá ele frequentava a escola normalmente, como tantos meninos de sua idade, tirava boas notas e almejava ser professor, como alguns poucos ainda desejam. Lá o rapaz convivia com sua família já fragmentada, seu pai já havia falecido e sua irmã já estara a ponto de casar, era mais velha, até aí tudo bem, há diversas famílias que possuem percalços iguais ou maiores que o até então relatado.

Porém, sua mãe descobriu que possuía uma rara doença que atingira o cérebro de maneira progressiva, e deveria recorrer a uma cirurgia rapidamente, e conseguiu, a cirurgia neurológica era tratada como simples, porém, segundo o aluno que relata seus acontecimentos, o médico “Errou”, e sua mãe desde então praticamente “Vegeta”, e com 13 anos o jovem se desfez de sonhos e almejos futuros, teve que assumir um papel ainda desconhecido, o de “Homem da casa”.

E lá foi o jovem, que deixou de estudar e começou sua vida de trabalhador desde a data do ocorrido, fato que ocorre em demasia em nosso país, onde apenas 12% atinge o 3º grau (Ensino superior). O Rapaz parou na antiga 7ª série, e até o ano de 2008 deixou os estudos de lado, abdicou de uma parte de sua vida para tratar de sua mãe.

Segundo o mesmo, que possui alto nível de esclarecimento, este não foi o mais duro golpe que já levou, e sim o fato de ter recomeçado sua vida escolar em outra instituição e a mesma não fornecer a ele o certificado de conclusão, segundo ele a instituição “Quebrou” e abandonou suas atividades, lesando milhares de estudantes, um deles foi ele. O aluno em questão já havia concluído 90% das disciplinas, e se quisesse frequentar outra instituição teria que refazer todo este percurso.

“Às vezes nesses momentos de grande promessa e potencial, nós frequentemente desejamos que pudéssemos simplesmente parar o tempo. Para apreciar esses momentos finais de gloria e largar o futuro por somente mais um dia.”

Irv in Everwood.

E ele resolveu refazer!

Foi quando o conheci em uma sala de aula, soube dessa história após um dia em que o mesmo chegou atrasado, justificando estar monitorando sua mãe. Desde aquele dia me sensibilizei e no carro, já vindo para casa, e emocionado e consternado com a situação que o mesmo se encontrava, me permiti ajudá-lo, ou buscar uma maneira de auxiliá-lo, afinal, o mesmo possuía um nível muito alto para estar no ensino fundamental, merecia estar ao menos no médio, era um direito dele!

Fui pesquisando e perguntando muito a professores, supervisores e todas as pessoas que lidavam com a educação de que maneira poderia ajudá-lo, pouco me responderam algo diferente de “O anime”. Mas uma pessoa especial me ajudou muito, e salientou que havia uma prova na Educação de Jovens e Adultos que poderia “Reclassificá-lo”, ele poderia finalmente ingressar no ensino médio caso fosse aprovado! A prova, ou exame, era extremamente técnico e difícil, e somente alunos com média elevadas e com indicações podem fazer, e ele foi escalado para o exame!

Desde lá o mesmo comemorava! Mesmo sabendo que nada estava garantido, mas segundo ele, “Alguém o dava um chance” fato novo em sua vida, neste momento já segurei minhas lágrimas, afinal, por muitas vezes pessoas como eu reclamam do muito que tem.

O ajudei a estudar, a prova era multidisciplinar, mesmo assim quis auxiliá-lo da forma que pude, por uma semana o forneci livros, informações e demais dados que de fato pudessem aumentar as chances do mesmo ser aprovado. Fiz isso desacreditado, grande maioria dos professores dizia que era quase impossível de vencer uma prova assim estudando poucos dias. Pensei muito e vi que não poderia desencorajá-lo, tampouco transmiti-lo o sentimento de derrota, já que o mesmo havia passado por tantas batalhas mais relevantes.


No dia da prova, falei com o aluno, o incentivei mais uma vez, e o rapaz foi à prova. Dias depois em sala, ainda sem sabermos o resultado, ele me encontra com uma cara de desânimo, logo evitei tocar no assunto, porém já no fim de aula o mesmo me relata que concluiu a prova, mas que achou o nível bem elevado, mas que se sentia confiante ainda. Agradeceu-me o esforço prestado e independentemente do resultado, estava feliz por ao menos tentar.

Na data do resultado da prova, voltei à instituição de ensino, fui pegar o resultado com o coração na mão, e pensando de que maneira daria uma má notícia, imaginando que talvez pudesse dificultar mais ainda à vida do aluno, afinal, a prova era difícil, e segundo relatos de outros profissionais, seria praticamente impossível passar com pouco tempo de estudo, mas fui em frente, sempre maquinando o pior.


Decidi pegar o envelope e não abrir! Deixei para entregar o resultado em sala, e pontualmente às 15h lhe dei o envelope, o aluno abriu e fez uma cara de espanto, voltei a pensar o pior e abaixei minha cabeça, mas em fração de segundos o mesmo pulava e comemorava, era um êxtase de felicidade que parecia adormecido a séculos, e então o aluno me abraçou e agradeceu todo o meu esforço, ele passou! Oficialmente ingressaria no ensino médio!

“Somos ensinados a lembrar de momentos significantes, os ritos de passagem, na verdade, os menores passos nos levam para essas importantes ocasiões, são tão importantes quanto elas próprias. Quando olhamos para trás, não veremos apenas os bons momentos, mas também os piores que definem quem nós somos e quem nos tornaremos.”

Andy Brown in Everwood.


Trata-se de uma conquista tão pequena, mas algo conquistado com o esforço próprio, que advém de um indivíduo que possuía todos os motivos para desistir, deve ser realmente valorizada. Por fim, acabei a aula e indo embora fui realmente vendo que a educação pode sim transformar o futuro das pessoas, independentemente do contexto que ela vive. Talvez agora o rapaz prossiga com seus sonhos, tente realmente ser professor, ou policial, como me confessou outrora, mas o importante é que de fato a justiça foi feita.

Fonte das imagens:


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